segunda-feira, 22 de novembro de 2010

39 - CÓLICA MENSTRUAL


Certa feita, eu tinha uns 24 ou 25 anos, eu saí da agência e fui pra casa da minha namorada na época. Era a primeira vez que ela tava morando sozinha sozinha mesmo, dividia antes uma casa com a irmã. Era a minha primeira namorada e eu tava felizão de namorar alguém que era independente, morava sozinha, dava pra ficar na casa dela alguns dias style casadinhos e tal, era uma curtição. A casa dela ficava abaixo da locadora em que ela trabalhava, ela saía por volta das 22:00 e eu tinha chegado lá por volta de 20:00, por aí. Como ela tinha acabado de se mudar, tinha alguma arrumação pra fazer e assim fiquei, colocando algumas coisas no lugar, bebericando um vinho, ouvindo um som e petiscando uma coisinha qualquer. Um pouco antes dela chegar, tomei aquele banho, dei aquela perfumada, e fiquei lá cheirosão esperando por ela. Quando ela chegou, tava pálida-esverdeada, com lágrimas nos olhos e a mão no ventre se contorcendo toda e eu “caralho, que foi, que foi???”, achando que tinha acontecido alguma coisa na locadora e me preparando pra subir lá e quebrar aquela porra toda!

– CÓÓÓÓÓÓÓÓLICAAAAAAAA! TÁ DOENDO PRA CARALHO LUUU, PUTAQUEUPARIU!!!

Notem: ela tinha cólica antes, eu sabia que a parada era dolorida, mas eu sabia por telefone! Eu ligava, dizia “oi Lu, beleza, tô indo praí...” e ela “meu, nem vem que eu tô com uma cólica fodida, vou tomar um remédio e dormir." Até rolava um “poxa, mas não quer que eu vá mesmo, ficar aí com você até você dormir...?” e ela “não não, relaxa, até você chegar eu já capotei...” e ficava por isso mesmo.
(Um aparte: pra quem não sabe, meu nome na real é Luiz, e ela se chamava Luciana, então era Lu pra lá, Lu pra cá, e por aí vai)
Bom, o lance é que ali era a cólica estridente e excruciante na cara daquele molecão que não tinha a menor idéia de que porra era aquela, ao vivo mesmo ali no xenhenhém. A abracei e a levei até a cama pensando “que que eu faço que que eu faço que que eu faço” e ela chorava e agonizava e apertava a minha mão que quase arrancava e eu olhava aquilo tudo e pensava “fodeu que que eu faço Jesus me salva”, e ela apertava minha mão e colocava a mão na cabeça e gemia e se contorcia e passava a mão na barriga e eu falava “vou chamar uma ambulância!!!” e ela ria e chorava ao mesmo tempo e falava “porra mas vai chamar a ambulância todo mês agora hahahahahahaaaaAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHH QUE DOOOORRRRR!!!” e eu “CADÊ O REMÉDIO CADÊ O REMÉDIO???” e ela “TÁ ALI NA CAIXINHA TÁ ALI NA CAIXINHA” fui lá, peguei logo uns dez, dei pra ela, ela tomou um só (graças a Deus) e a dor não passava e ela passava as mãos nas coxas e eu massageava as coxas dela e ela passava as mãos nas costas e eu massageava as costas dela e aí ela se contorcia de dor “UUUUGGHHHHH” e eu me contorcia junto com ela “UUUUGGGGHHHHHH” e ela “ARRRGGGGGHHHHH” e eu “AAAARRRRRGGGGG” junto, e aí parava um pouco e eu respirava, ela respirava, aí voltava “AAAARRRRGGGHHH” e eu junto “ARRGGGHHHHH”, e ficamos nisso por umas duas horas mais ou menos. Ela gemia, eu gemia junto, ela se contorcia, e eu me contorcia junto, ela massageava as pernas e eu massageava as costas e ela contraía e eu contraía junto, até que o remédio fez efeito e ela dormiu, e eu capotei ao lado dela, completamente exaurido.

Passou, amanheceu, eu fui até a padaria, comprei pães, frios, café, leite, chocolate, frutas na banca do lado, bolo, requeijão, suco, comprei tudo, pensava “sei lá o que uma mulher come depois de uma porra dessa, vou levar tudo” e assim fiz. Preparei tudo, comemos, ela tava de boa, eu também fiquei de boa, ela não falou nada, eu também não falei nada, não tocamos no assunto, eu fui só seguindo o flow. Me despedi muito carinhosamente, subi na moto e toquei pra agência de novo.

Chegando lá, cumpri com meu ritual de atualizar o timesheet logo pela manhã, abri o Photoshop, Illustrator, QuarkXPress (na época ainda não tinha Indesign), coloquei o fone, botei um jazz provavelmente (na época eu tava começando a ouvir jazz) e fiquei lá esperando a horda de diretores de arte bárbaros me pedirem imagens pra escanear, leiautar e tal, eu era assistente de arte na época. Foi aí que aconteceu o impensável.

Eu tava sentadão daquele jeito bem relaxado que a gente senta, na ponta da cadeira com os pés beeeem lá embaixo da mesa e as costas apoiadas no encosto, quase deitado. Fui me levantar pra pegar um café, acho, e daí AAAARRRRRGHHHHHH!!!!! pensei “CARALHO, EU TÔ VIRANDO UM LOBISOMEM, QUE PORRA É ESSA???” bicho, a cólica tinha passado pra mim! E eu me contorcia e pensava “mas como pode uma merda dessaaaaaaaAAAAAAAAHHHHHHHHHH!!!!” e doía a virilha e descia pras coxas, e eu massageava as coxas e doía as costas e eu passava as mãos nas costas e doía a barriga e daí eu “que que eu faço que que eu faço”, corri pro banheiro e deitei no chão de costas e fiquei que nem ela, balançando as pernas com as mãos embaixo das costas, meio elevado, e a dor ia e vinha e ia e vinha forte pra caralho, e eu me contorcia todo “uuuuugggghhhhhh” e pensava “tenho que tomar aquele remédio, que remédio será que era, que remédio era. Ligar pra Lu não vou, vergonha, vou ver no Google.” Esperei um intervalo no ciclo da dor e corri pro computador, tinha que segurar a onda porque naquela hora já tinham chegado algumas pessoas na criação. Digitei lá “remédio pra cólica menstrual”, apareceu lá “...blábláblá anticoncepcional normalmente funciona” e eu “puuuta, mas aí fodeu, vou ter que tomar anticoncepcional???” e depois “...ahh eu sempre tomo Ponstan e melhora na hora”, uma minazinha num fórum qualquer e eu “é esse! Tenho que tomar Ponstan, vou na farmácia”, e a dor voltando até que quando eu tava no elevador eu consegui pensar “PORRA, MAS ISSO NÃO FAZ SENTIDO, VOCÊ NÃO VAI MENSTRUAR IDIOTA! NÃO TEM NADA A VER TOMAR PONSTAN” mas fui assim mesmo. Cheguei lá na maior dismenorréia, com a mão na barriga e com a cor já meio pálido-esverdeado também. Fui até ao balcão, olhei pra cara da balconista (deveria haver uma farmácia só pra homens, com atendimento masculino só, #ficadica), olhei pra cara dela e pensei “E agora? Vai Tim, fala! Fala pra ela que você tá com cólica menstrual, fala.” Coloquei uma mão no balcão, a outra meio que massageando o ventre de leve e falei “Seguinte: sei lá o que eu tenho. Eu tava na minha, acabei de chegar no trabalho, fui me levantar da cadeira e começou a doer tudo aqui nessa região” e mostrei a região com movimentos circulares da mão. E ela “Hmmm... gazes?” e eu pensando “putaqueupariu, que constrangimento...”, falei “creio que não... não comi nada que pudesse dar gazes agora pela manhã...”, e ela “mas como é a dor?” e eu “é assim, dói aqui perto da virilha, desce pras coxas, dói as costas, e a dor fica indo e voltando...” e ela “Nossa!! Igualzinho quando eu tenho cólica, hahahahahahaha! Pena que você não pode tomar Ponstan e nem anticoncepcional, né??? Hahaha!” e eu olhando pra cara dela pensando “filhadaputa, ainda bem que a tpm já passou” só falei “pois é, pois é...” e ela “olha, como você disse que foi levantar, sei lá, leva esse relaxante muscular, de repente alivia, mas vai no médico, isso não é normal.” Agradeci, paguei, peguei e ralei dali. Fui tomando o remédio pelo caminho, tomei 2 de uma vez.

E passou. Tanx God, passou.

Voltei pro trabalho, falei que não tava me sentindo muito bem, fui pra casa, tomei um calmante e capotei, tomando o cuidado de forrar a cama com mais de um lençol, vai que. Ia enfiar um O.B. onde?

No seu. Enfia no seu.


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(DEDICO ESSE TEXTO PRO MONTEIRO E PRA KARINA, QUE TANTO GOSTAM E APÓIAM. LOVE YOU GUYS, CASAL LINDO)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

38 - RETRATAÇÃO


Segunda de manhã, eu com UMA RINITE DA PORRA, saí pra rua pra comprar remédios e pra ir na padaria comer uma coisinha qualquer. Eu com rinite fico totalmente sem vontade de fazer amigos, ou ter amigos, ou ser sociável. Ando pela rua parecendo um ogro, qualquer coisa me irrita, fico sem conseguir pensar direito, dou respostas ríspidas, sou grosso, é uma bosta. Tipo tpm. Fui até a farmácia, tava frio. Quando saí da farmácia, tinha sol. E eu com uma blusona que não queria ficar segurando na mão, só mirei a rua que eu tinha que subir e fui, foco na missão de comer alguma coisa. Cheguei na padaria suando em bicas, me sentei, pedi um pão com mortadela Ceratti e vinagrete, e um suco de laranja. Foi eu terminar o pedido, chegou um sujeito todo amigão já falando na empolgação:
– E AÍÍÍ MANO, COMO CÊ TÁ? - ele tava com uma calça jeans, camisa xadrez, tenis Adidas e uma boina daquelas de cobrir dreads. Chegou chegando, como se me conhecesse há muito tempo.
– TÁ SUADO TIOZÃO, VEIO CORRENDO???
Eu só dei uma olhada de rabo de olho e falei "tá meio calor...", enxugando a testa com um guardanapo.
– PODICRÊ, DE REPENTE SAIU O SOL JÀ PELANDO NÉ TIOZÃO???
E eu, pensando "tiozão é sua irmã, aquela barbada, seu viado", só respondi "...podicrê, podicrê..." e ele continuou:
– MAS AÍ TRUTA, POSSO TE PEDIR UMA GENTILEZA???
E eu: "se for grana meu, tenho não, tô zerado..."
– NÃO É GRANA NÃO TRUTA, AÍ, EU NUNCA PEÇO GRANA PRA NINGUÉM NÃO! - falou meio puto.
– ...cê quer o que então, meu...? - perguntei
– IA PEDIR UMA BEBIDA SÓ.
– ...e eu ia ter que pagar, e não tenho grana não meu, tô zerado, como te disse. Aí o cara desbaratinou e saiu saindo pro outro lado e ficou lá meio que reclamando, depois ficou pirando numa foto em que tinha um cara com um puta peixão que ele tinha pescado, depois falou mais algumas coisas pro nada, foi em direção à saída e quando chegou à porta parou, olhou pra mim com uma outra postura e disse:
– Aí, eu tô voltando. - e saiu, virou a esquina, passou por trás de mim pela rua (a padoca era de esquina e tinha das portas daquelas de vidro) e concluiu: "Você não responde nada agora, mas quando eu voltar quero ver o que você vai responder." Falou assim mesmo, tudo certinho, sem gírias e sem aquela empolgação toda do começo, com uma gravidade na voz.

Fiquei uns dois segundos olhando pro suco de laranja e na sequência eu tive uma visão e pensei "FUDEU! Era Jesus disfarçado de nóia, testando minha fé e generosidade. E ainda deu a letra de que vai voltar."

É o seguinte: se era mesmo Jesus, eu tenho algumas considerações a fazer em minha defesa:

1 - Eu tava com rinite, e rinite afeta o discernimento. Então faz favor, dá um desconto;

2 - Arruma um disfarce melhor. Pô, o que aconteceu com o velho mendigo, ou a tiazinha, ou a criancinha? Nóia, meu??? Ninguém é obrigado a aturar nóia. E que chega chegando ainda, sem ser na humildade? Não dá...

3 - A abordagem foi capciosa, no intuito de me levar ao erro. Eu tava, como disse, com rinite e a divindade em questão tava com um disfarce que mexe com os brios das pessoas, fora que capciosidade é coisa mais do lado de baixo do que do lado de cima. Há contradição na própria essência da ação.

Partindo desse princípio, abro aqui, claro, espaço para a réplica. Eu não sou uma má pessoa, sou generoso na medida e até tenho fé, mas vamos jogar limpo aí.

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Foto: ééé... não dá pra saber, né... eu vou tentar ir ao show, por via das dúvidas. Vai que é um teste coletivo, sei lá...

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

37 - ORGULHO DE SER PAULISTA


São Paulo é uma cidade foda. É estressante, é cáustica, venenosa, nociva e corrosiva. É poluída, tem trânsito pra caralho, tem injustiça pra caralho, desigualdade social pra caralho, gente pra caralho.

E cada vez chegando mais.

E isso é ótimo, porque uma das poucas coisas que tornam a vida suportável aqui são as pessoas que aqui habitam e os amigos que aqui estão.

Algumas, claro.

Essas eleições mostraram uma faceta extremamente vergonhosa de algumas pessoas que moram por aqui, um grupinho ínfimo e ridículo de gente que acha que São Paulo tem que ser para os paulistas, como se ser paulista fosse grande coisa. Pois eu digo que aqui, em São Paulo, só tem paulista. E se marcar, quem vem de fora é mais paulista que a gente que mora aqui, afinal nascemos aqui, temos o conforto de ter a família por perto, a maioria dos nossos amigos estão por aqui e vão continuar por aqui. Já o sujeito que sai lá de outro estado ou cidade deixa todo o conforto da família lá, dos amigos lá, a rotina lá, a praia lá, ou o campo lá, ou a serra lá pra vir ser paulista aqui, trabalhar até tarde aqui, respirar gás carbônico aqui, entrar em filas imensas, pegar trânsito imenso, tudo isso pra ganhar a vida aqui e pra contribuir para o crescimento e progresso DESSA cidade aqui. E para fazer amigos e construir família aqui.

Não conheço muita coisa do Brasil não. Visitei o Rio com meu amigo e irmão David, São Tomé das Letras e São Bento do Sapucaí com meu irmão e amigo Humberto, e visitei quatro cidades do nordeste: Salvador, Aracaju, Natal e Aracati, onde fica Canoa Quebrada, pra onde eu fui. E em todas elas eu nunca ouvi uma só palavra que ferisse a minha origem, não ouvi uma palavra desrespeitosa, pelo contrário. Em algumas delas até fui chamado pra morar lá, e na maioria delas eu fui é sacaneado no maior bom humor, como os cariocas dizendo que paulista não sabe fazer feijoada (e eu devolvendo que carioca não sabe fazer pizza, e é verdade) ou então os cearenses dizendo que paulista não sabe andar devagar (e eu dizendo "tá, mas cadê minha comida???" "Ôxe, vai voltar correndo pro trabalho é???" Rárárá)

Conheci Lisboa também. E coisa lá é no xenhenhém. Tem um sujeito lá que se chama José Pinto Coelho, presidente do PNR - Partido Nacional Renovador, um cara de fala tranquila mas incisiva, de olhos azuis clarinhos muito, muito profundos. E a plataforma de governo dele é basicamente a seguinte: IMIGRANTES, FORA. Ele anda pra cima e pra baixo cercado de uns neo-nazis, e o partido dele tem representação na câmara e numa das eleições que teve lá ele obteve 2% dos votos. E isso sim, apesar de ser escroto, merece respeito porque o cara tá lá dando a cara pra bater e defender as idéias de merda dele. Se sabe onde ele mora, se sabe qual o rosto dele, você pode até encontrar com ele pela rua - como aconteceu comigo em Alcântara, quando dei de cara com ele e seus asseclas numa esquina. Ele olhou pra mim com aqueles olhos azuis clarinhos profundos, sorriu, me deu uma filipeta dizendo IMIGRANTES FORA e se foi, pacificamente. E o mais interessante disso tudo é que o cara terminou os estudos secundários dele onde? Rio de Janeiro, ó só. Malandreeeenho, hein!

Aqui não. Aqui você só conhece a cara da pessoa porque, além de racista, ela é burra o bastante pra cometer atos falhos no twitter - e cá entre nós, é ato falho, os imbecis acham que vão dizer e passar batido. Eles escrevem e, tenho certeza, na sequência rola um "ops!!" à lá Homer Simpson. Fazem movimentos às escuras, anônimos, e ainda tem a pachorra de dizer que é para o bem dos paulistas, ora vão se foder. Tá injuriadinho, tá irritadinho, não gosta de imigrantes? Ora, é simples, vá embora. Vai pra outra cidade que você julga melhor, você não precisa ficar aqui só porque nasceu aqui, vá achar seu lugar no mundo, porque uma coisa é certa, São Paulo é uma cidade foda. É estressante, é cáustica, venenosa, nociva e corrosiva. É poluída, tem trânsito pra caralho, tem injustiça pra caralho, desigualdade social pra caralho, gente pra caralho. Mas é também acolhedora, cosmopolita, open minded, miscigenada, terra de oportunidades, harmônica em seu caos, linda em seu hermetismo de concreto, e se você não aguenta, rala. Pára de ocupar espaço de pessoas que querem ser paulistas como nós, que vivemos e respiramos a vida real de São Paulo.

E são meus amigos de todos os lugares do mundo que vivem aqui é que me dão orgulho de ser paulista. Pessoas que trazem novas visões, novas culturas, novos pontos de vista. Eu me vejo em cada um deles e sou um pouquinho de cada um deles, como todo BOM paulista deve ser.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

36 - SUBWAY BLUES II


No domingo, dia da eleição, eu tava indo pra Guarulhos pra votar, e como de costume peguei o metrô na estação São Joaquim sentido Tucuruvi, pra de lá pegar um ônibus até a Vila Galvão, onde eu voto. Fiquei ali parado em pé ouvindo o acústico do Jay-Z (H TO THE IZZ-O, V TO THE IZZ-A!!) e, como sempre, minding my own business, até que na estação da Sé ocorreu um evento interessante. No meio da muvuca que desceu pelo lado esquerdo do trem, um cara ficou do lado de fora olhando uma garota sentada bem na minha reta. Ele era um militante petista, com barba rala, boina, camisa vermelha com a estrela do PT, uma bermuda jeans e sapatos docksides. E moça tava com um vestido florido azul e uma sandália rasteirinha, ela era bonitinha bagaray, parecia que tava indo pra uma festa na roça. O lance é que o cara ficou ali olhando pra ela, com um sorrisinho bobo na cara, e ela olhava pra ele meio sem graça, aí desviava o olhar, depois olhava pra ele de novo, aí olhava pro lado, e ele lá, imóvel, parado, sorrindo, olhos fixos nela sem se importar com a galera que olhava pra ele de dentro do metrô (paixão faz isso com a gente né, é foda...). Ficou assim o tempo todo em que o metrô ficou parado pras pessoas descerem e as outras subirem, e quando finalmente as portas se fecharam, ele deu um tchauzinho pra ela, ela deu um tchauzinho pra ele, ele mandou um beijo pra ela, ela sorriu, e o metrô se foi.

Aí aconteceu um lance fantástico.

Quando o metrô saiu da estação, ela puxou caderninho de dentro da bolsa e abriu em uma determinada página. Deu pra sacar que era um diário, e quando ela abriu, tinha uma série de coisas escritas em vermelho do lado esquerdo, e uma série de coisas escritas em azul do lado direito, e eram duas listas. E ela pegou uma caneta vermelha e escreveu do lado esquerdo assim:

"Eu sempre fico sem graça pelo jeito bobo com que ele olha pra mim"

(Um aparte: se você acha que foi uma invasão de privacidade eu ali olhando a menina escrevendo uma coisa pessoal dela no diário dela, em minha defesa eu só posso dizer pra você se dirigir ao guichê 2 e fazer uma reclamação formal em três vias com firma reconhecida, ok? Beijo, me chupa.)


...falávamos...?


Ahh sim. Ela escreveu em vermelho do lado esquerdo do diário "Eu sempre fico sem graça pelo jeito bobo com que ele olha pra mim", e aí, metodicamente pegou uma caneta azul e escreveu do lado direito do diário:

"O jeito bobo como ele olha fixo mim me faz me sentir especial." Ela escreveu assim mesmo, 'me faz me sentir especial', parece estranho essa construção, mas acho que tá certo. E aí meu, tinha mais um monte de coisas que ela não gostava dele em vermelho e outro monte de coisas que ela gostava dele em azul. Caraaaay véi, fiquei de cara, fiquei mesmo impressionado com, além do romantismo, a praticidade da mina em fazer uma lista de 'gosto/não gosto' ali, assim tão bem definida, escrita lado a lado para facilitar a comparação. Se você for um pouco pessimista, pode até ser que seja uma maneira meio fria de avaliar uma pessoa, mas sei lá... não sei. Todo mundo avalia todo mundo de alguma maneira. Ela deve ter os motivos dela, um lance assim ou é inocente demais, ou é coisa de gato escaldado. Mas uma coisa é certa, o lado azul tava vencendo, e eis que isso é bom.

Esse lance durou até a estação Carandiru, e ela desceu na Jardim São Paulo, e eu desci mais duas depois, no Tucuruvi, com o Jay-Z berrando no mic "Ain't no loooooove, in the heart of the cityyyeeahh"...

Calaboca, Jay-Z! Cê num sabe de nada, mano.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

35 - O MELHOR DE UM RELACIONAMENTO


Cá estou eu sentado na frente do computador tentando iniciar esse texto de uma maneira bacana. É sempre assim comigo, eu sempre tento começar o texto com uma frase de efeito ou algo do tipo, aquele lance "pra prender o leitor logo de cara", mas foda-se, não consigo, sempre começo de maneira simples e até meio cliché, mas se isso me faz seguir adiante, tá valendo.

Eu nunca tive muitos relacionamentos.

Na real, apenas três, daqueles ali, a sério mesmo, de apresentar pra família e de almoços de domingo e as porra. Mas foram daqueles que tiveram um antes, um durante e um graaaaaaaaannnnnnnnde depooooooois, e não é uma questão de flashback com as ex não, é uma questão de reflexão mesmo. Flashback teve também, confesso, mas eu nunca consegui sair de um namoro e emendar outro logo de cara, como o Ivan, meu camarada, por exemplo: tinha vez que a gente fazia as contas e parecia que ele tinha mais tempo de relacionamentos do que de vida. 5 com uma, 6 com outra, 4 com outra, 7 com uma outra... eu não, eu terminava um namoro e ficava pensando, pensando, pensando.... ariano é uma desgraça, nunca pensa, mas quando pensa exagera, parece que nunca mais vai parar. Até voltar a não pensar de novo é um puta processo. Mas o lance é que eu de novo terminei um longo processo de pensamento sobre isso, depois de muitas conversas com amigos, depois de muitas brejas, beques, depois de muito ler sobre tudo, depois de outras tantas mulheres, depois do medo do término, depois de muitas brigas e conversas repetitivas, depois de uma série de arrependimentos e ressacas morais, depois de outro tanto tempo sem me relacionar de verdade com alguém novamente, e recusar, e dizer que não queria nunca mais me relacionar novamente, eu cheguei a conclusão de que o que me faz querer de novo é uma coisa que aconteceu nos meus três relacionamentos anteriores, que é a construção da intimidade.

A melhor coisa que existe em um relacionamento é a intimidade. Caralho, como é bom ser íntimo de alguém, daquelas de saber o que a outra pessoa tá pensando só pela maneira como ela morde uma goiaba. Certa feita aconteceu uma parada engraçada comigo. Eu acordei no meio da noite, na verdade naquele limiar entre o estar acordado e estar quaaaaase dormindo, eu lembro que eu despertei, me apoiei na cama e disse em voz alta: "caraca... eu tô feliz." A maioria das pessoas não sacam quando se está feliz, até porque não é uma coisa que você fica mensurando ali, assim como a morte - o Luiz Felipe Pondé tava falando dia desses que ninguém pára no meio da rua e pensa "caraca... eu vou morrer.", isso tornaria a vida insuportável, você só sabe que vai morrer e segue com sua vida sem se dar muito conta disso. Eu tenho problema, pq vira e mexe eu penso essa merda, assim mesmo, de parar no meio da rua e pensar "caraca, eu vou morrer", mas como eu sou meio tonto, logo me distraio com um passarinho ou qualquer outra coisa e sigo vivendo. Assim é com a felicidade, eu nunca me importei em ser feliz, digo, em buscar a felicidade, pq sempre acreditei que ela é inevitável. Já reparou que estar feliz é inevitável, assim como o verbo é estar, e não ser? Não se é feliz, se está feliz. Depois infeliz. Depois triste, depois alegre, depois puto, depois calmo... esses sentimentos são passageiros, mas as pessoas buscam tanto a felicidade como objetivo que se esquecem que até na merda vc terá momentos felizes, e até se tudo estiver indo muito bem com vc, algo vai fazer vc infeliz. Paz sim, é real e calma e serena, e te dá estrutura pra entender essa inconstância dos sentimentos mais passionais. Todos eles passam, mas se dar conta ali, no meio da noite, do nada, que eu estava feliz, me deixou... feliz. E eu tava feliz porque, além de tudo estar indo bem no geral, eu ainda tava num relacionamento que era cheio de intimidade. Não importa como esses relacionamentos acabaram, se restou mágoa ou não, se nos falamos ainda ou não (e sim, nos falamos sem problemas, eu e minhas ex-namoradas), o que eu mais gostei e mais me lembro deles, é essa construção. O bom de chegar a essa conclusão é que isso me dá um norte para me guiar pelo caminho do próximo relacionamento, quando e SE ele vier: pra mim, ser íntimo e ter intimidade com alguém é a melhor coisa que existe.

E essas conclusões só são alcançadas quando alguém desperta isso em você.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

34 - MI CASA, SU CASA.


O lance é que agora eu sou o feliz proprietário de um fogão, uma geladeira, um futton sofá-cama, uma cama super king size, quatro prateleiras com alguns livros, quadrinhos, filmes e poucos cds, um baixolão Eagle, um baixo elétrico Epiphone, um violão Epiphone, dois amps (um deles eu transformei numa mesinha de centro, vai ficar bacana quando eu colocar o tampo de vidro, e ainda funciona!), um paneleiro cheio de panelas e colheres e outros utensílios, uma estante de metal que eu uso como guarda-roupa, meio bongô Headliner (preciso trocar o couro pra ficar um bongô inteiro de novo), uma guitarra Snake de 42 anos toda fudida, uma bateria Mapex, um pandeiro Contemporânea (que também preciso trocar o couro) um iMac, um monitor auxiliar, três banquinhos altos, um monte de pratos e copos, minha mesa feita de porta e cavaletes, lápis e canetas e algumas tintas espalhadas por ela, um quadro do Apolo Torres, algumas luminárias, tudo isso espalhado em um apartamento de 60m2 aqui no Bexiga, mais conhecido como Bixiga.

E pra bancar tudo isso, um desemprego.

Que foda, lá vou eu de novo caçar outro trampo porque os caras vieram de novo com a história de que a agência tá passando por uma crise e tão demitindo os mais novos de casa, mas e aí? #ComoFaz? Porque desse jeito eu não vou ser o mais velho de casa nunca, né? Os caras contratam, fazem RP, soltam nota em todos os veículos do meio dizendo que contratou você e mais dois redatores, e pouco mais de um mês depois demitem você e os dois redatores que contrataram porque são os mais novos de casa. Que xaveco, viu. Quero ver é soltar errata agora nos veículos: "agência X contratou mas já demitiu o diretor de arte e os redatores blá blá blá...". E ainda vieram com a idéia de que a gente não tinha direito a receber nada, mas voltaram atrás, em parte. Mas ok, bola pra frente, não é a primeira vez que passo por isso, nem vai ser a última.

Quando eu aluguei esse apê ainda pensei nisso, "quer ver que vai dar zica?", e deu-se a zica. Agora, que é legal é, viu. Montar uma casa é embaçado, gasta uma graaaaaana, mas depois da coisa toda pronta, dá gosto. E olha que falta uma tv decente com um home theater decente na sala, mas como não tenho o costume de assistir muito tv, tá ok. E com esse lance de ficar sem trampo, fico aqui vendo as coisas que ainda tem pra fazer, o que dá e o que não dá e... saco, na verdade é o seguinte, eu tô PUTO que os caras me mandaram embora, me dediquei àquela merda, virei noite trabalhando, saí tarde muitas vezes, cheguei cedo algumas vezes, dei meu melhor, aprovei campanha, ganhei concorrência, pra depois nêgo vem me dizer que tá me mandando embora pq sou mais novo de casa, puta-que-o-pariu mil vezes, vai tomá no cu. E ainda me responde o e-mail de despedida desejando sorte na minha estrada e dizendo que tem certeza de que vou me recolocar logo. Vou me recolocar na tua irmã, babaca. E que certeza é essa de que vou me recolocar logo? Como se conhecesse o mercado tão bem. Nada é certeza de nada nessa porra, não me vem com essa, perder o emprego é uma merda. E responde e-mail... na hora, quem manda embora é o RH, o sujeito nem dá as caras, sendo que pouco tempo antes tava pedindo ajuda, compreensão e comprometimento para com o momento que a agência tava passando. Aí você ajuda, compreende e se compromete e toma um pé na bunda, é foda. E tem outras coisas ainda que nem vou entrar em detalhes, foda-se, largamão.

A parte boa dessa porra toda é que eu fui pra casa da minha mãe, comi pra cacete o rango dela, descansei, revi alguns amigos e usei todo o meu grande talento pra marcenaria e fiz esse quadro de temperos aí da foto. Ficou ducaray, e quando eu terminei ficou todo mundo olhando pra minha cara como se eu tivesse parido um urso panda, porque, sério mesmo, eu não sei pregar um prego num isopor, lidar com martelo, madeira, cola, essas paradas, sem chance. Também fixei as prateleiras na parede, uma mesa retrátil que, na boa, deveria ter feito uns 5 anos de engenharia civil pra colocar, o paneleiro, a porra toda. Eu sou completamente a favor da geração de emprego, acho que tem mais é que contratar um marceneiro pra fazer tudo isso mesmo, mas meti na cabeça que ia fazer e fiz, só pra ter a sensação de que fiz alguma coisa minha, do jeito que eu queria, que eu achava que tinha que ser, e não um anúncio ou layout que todo mundo mete a mão e faz virar qualquer coisa. Gostei de fazer e tenho encomenda pra mais três agora, um deles pra uns 45 frascos de tempero, que meu vizinho nerd chef de cozinha gente fina bagaray quer, fudêu. Outro pro amigo dele, e outro pro @davidlmb, dono do alimentandoideias aqui.

No mais, tô por aqui: 60m2 se torna grande quando você se acostuma. Como eu tô em casa direto, eu dou uma limpada geral, ajeito um quadro, dou uma olhada no casal de lésbicas se pegando no prédio da frente, faço um rango, vejo uns sites de design e de pornografia... Fiz aquelas conservas de pimentas que vocês vêem no quadro: uma só com azeite, outra com vinagre, cachaça Boazinha, açúcar e sal, outra com mel e cachaça Seleta que sobrou e eu tô tomando enquanto escrevo, em tempo. Tem outra de pimenta biquinho, pimenta cambuci (acho), cebolinhas e tinha alho, mas tava cheio de agrotóxico e reagiu com o vinagre e ficou azul, taoqueopariu! Um camarada engenheiro de alimentos disse que era bom tirar e que não ia afetar o restante da conserva, tranquilo. Tem hora que eu acho que tá faltando alguma coisa, às vezes acho que é uma planta, às vezes acho que tenho que me desfazer da bateria, em outras tenho certeza que o que falta é uma namorada andando só de calcinha pela casa... e assim vou seguindo, naquele ócio que só o desemprego dá.

Ôpa, ó lá o casalzinho no prédio da frente de novo... #cool!

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Vista da sala para a cozinha, clique na imagem pra aumentar.
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quinta-feira, 20 de maio de 2010

33 - REGULAMENTAR PRA NÃO REGULAR.


Lendo e assistindo alguns debates sobre a legalização das drogas, eu vi algumas opiniões que até então me haviam passadas desapercebidas: não a questão da proibição, legalização ou descriminalização, mas sim a questão da regulamentação das drogas. O buraco é mais embaixo, porque mesmo que seja liberada, é preciso que haja regras pra que isso aconteça. Pra parar de regular, é preciso regulamentar! E aí eu resolvi escrever sobre uma coisa que tava na minha mente faz tempo. Eu acho o seguinte: assim como na lei de trânsito, que pra você dirigir um automóvel você precisa da CNH (Carteira Nacional de Habilitação), com suas respectivas categorias, acho que pra você poder regulamentar e deixar claro a função de cada um (afinal, a única função existente até então é a de bandido) é habilitar as pessoas em seus vários níveis de manuseio ou contato com as drogas. Isso envolveria educação, conscientização, treinamento, pesquisa, cursos, palestras... muito parecido com o que temos hoje no trânsito. O governo iniciaria o primeiro cultivo da erva e para a distribuição, e os usuários, fornecedores e cultivadores seriam habilitados da seguinte maneira:

CATEGORIA U - USUÁRIO

Após alguns meses de cursos dado pelo governo sobre o uso e os problemas que acarretariam pra saúde sobre o uso da erva, a pessoa receberia uma habilitação da categoria U, de Usuário. Ela estaria apta a portar um peso X para uso próprio, a transportar e usar em locais disponíveis para a prática do fumo. Com isso acabariam os problemas com a polícia na rua em caso de abordagens de rotina em que normalmente o usuário é sempre taxado de bandido. Habilitado, seria mais seguro andar por aí, E assim como no automóvel, multas e apreenções e, em caso de reincidência , até mesmo retenção para quem andar com um beque sem estar habilitado.

CATEGORIA UD - USUÁRIO / DISTRIBUIDOR

Após 1 ano como usuário, a pessoa poderá iniciar o processo para a tirar a habilitação UD, de Usuário/Distribuidor. Essa pessoa faria uma série de cursos, frequentaria uma série de palestras sobre o tema, faria prestaria serviço comunitário com o objetivo de educar e discutir o tema, bem como teria treinamento de vendas PASSIVA para fornecer a erva para usuários habilitados na categoria U. Poderia abrir um ponto de venda em um local apropriado para o armazenamento e distribuição da erva. O preço poderia ser tabelado para evitar a concorrência predatória (por isso também o treinamento na venda passiva).

CATEGORIA UDF - USUÁRIO / DISTRIBUIDOR / FORNECEDOR

Após um período como Usuário ou Usuário/Distribuidor, qualquer pessoa que tenha um local apropriado para o plantio da erva poderia iniciar o processo para tirar a carteira de habilitação categoria UDF - Usuário/Distribuidor/Fornecedor. Essa pessoa seria treinada pelo governo para dar sequência ao plantio iniciado para uma melhor distribuição pelo país da erva. Isso seria importante para que, após um período estudando nas fazendas de maconha do governo, ouvesse um melhor know how de plantio para cada região do país, devido ao clima e características do solo de cada região. Ao longo do tempo essa pessoa iria recebendo certificações e autorização para uma maior capacidade de plantio da erva e incentivos financeiros para a pesquisa de cultivo para os vários tipos de sementes diferentes, em conjunto com o SEBRAE, por exemplo.

Com a legalização da erva e a correta regulamentação, o usuário poderia ter mais tranquilidade para andar pelas ruas sem ser taxado de bandido, ovos empregos seriam gerados e novas arrecadações de impostos e taxas. O pequeno traficante poderia sair da clandestinidade e ser integrado à sociedade, os empresários teriam uma nova opção de negócios, como a inauguração de clubes ou cafés habilitados para o usuário, a qualidade das sementes melhorariam e abririam-se campo para novas pesquisas e investimentos na área.

Claro que isso é só um esboço para gerar alguma discussão, muito precisa ser discutido. Alguns podem achar que impor regras seria mais como uma nova forma de controle ou repressão por partes das autoridades; mas sem regras nenhuma, apenas com leis ultrapassadas e provincianas, o que se tem é apenas despreparo, ignorância e violência. Que é como está hoje.

PS: eu até ia colocar os 3 modelos das carteiras de habilitação aqui, mas como eu sei que tem um monte de espíritos de pouca luz por aí, achei melhor não.

PS2: Se alguém tiver mais algumas idéias em cima disso, vamos melhorar! O negócio é transformar todo mundo em maconheiro de carteirinha, há! Eu, claro, teria que tirar uma habilitação FNU - Fornecedor Não-Usuário.

Abrax!